-  PRÓLOGO  -
Acompanhei de perto a gestação, maturação, aguardada finalização e exitosa e elogiada defesa pública desta obra do professor Nicolas Guigou, sobre a qual tenho agora a honra de dizer algumas palavras que nao pretendem pôr em evidência a longa lista das suas virtudes mas tão somente destacar alguns aspectos que, a meu juízo, podem ser sublinhados neste rápido prólogo.
 Trata-se de um trabalho que consegue analisar com muita competência os símbolos, mitos e representações, arquitetados sobretudo entre meados do século 19 e as primeiras décadas do século 20 - entre eles o mito da igualdade e da nação laica - que conformaram a formação do Uruguai enquanto nação laica. Para alcançar este objetivo o Autor efetua uma excelente recuperação e análise histórica do país, ao mesmo tempo em que imprime uma perspectiva antropológica ao seu objeto, vindo a se constituir, desta forma, este trabalho, numa análise histórico-antropológica ou uma antropologia histórica, na melhor tradição francesa nesta área.
A grande originalidade desta obra reside no material empírico sobre o qual o Autor se apóia para analisar os mitos e as representações que configuram a "religião civil" uruguaia. São os textos obrigatórios de leitura utilizados na escola primária, laica, gratuita e obrigatória, no período acima referido. Com fina e perspicaz capacidade analítica, o Autor mostra e desvenda como a formação idealizada da nação laica vai aparecendo e se sedimentando nos textos didáticos da escola pública, vindo esta a se constituir num dos lugares privilegiados, matriz produtora, dos cidadãos uruguaios.
Outro aspecto a ser destacado é o sólido arcabouço teórico que fundamenta esta obra. De fato, o Autor consegue montar, com agudez e perspicácia, um quadro analítico assentado em substantivas contribuições de destacados antropólogos, tais como M. Sahlins, e sua noção de mito-praxis, C. Lévi-Strauss, e suas idéias acerca de mito e de ideologia, E. Durkheim e P. Bourdieu, e suas considerações sobre representação, tudo isto apreendido não isoladamente mas em perspectiva de complementaridade, cujo resultado é a construção de um trabalho esemplar no que concerne o uso heurístico dos conceitos.
 Enfim, entre outras virtudes desta obra friso a sua capacidade de privilegiar ao mesmo tempo o passado e o presente do país, o local (no caso o Uruguai) e o global (por exemplo, a edificação de semelhante quadro ideológico ocorrido na França e nos Estados Unidos), tudo isto atravessado por uma sensibilidade antropológica expressa por seu Autor que reúne em si o que de melhor se pode requerer a um profissional desta área: a devoção à pesquisa, o domínio teórico e a criação original de conhecimento.


Ari Pedro Oro