INTRODUÇÃO

 

   

Mito-práxis: além do “quente” e do “frio”

 

Esta dissertação tenta abordar as características e possibilidades que assume a mito-práxis (Sahlins, 1997a) numa cultura que, como a uruguaia, acha-se aberta “al devenir histórico”.(Lévi-Strauss, 1990a:339).

A realização deste trabalho é possível graças às contribuições de M. Sahlins, que  em sua “Ilhas de História” (Sahlins, 1997a), criou o termo mito-práxis,  visando, assim, superar as dicotomias  traçadas por Lévi-Strauss (sem eliminar os aspectos mais importantes do seu pensamento), principalmente em “O Pensamento Selvagem” (Lévi-Strauss, 1990a).

Já não se trataria pois, de compreender as sociedades “fora” ou “dentro” da história, ou as  “sociedades frias” e as “sociedades quentes” (Lévi-Strauss, 1990a:339), ou o “pensamento selvagem”1 - com seu correlato de pensamento mítico - versus o “pensamento domesticado”, do qual, segundo Lévi-Strauss, o conhecimento histórico seria um exemplo (Lévi-Strauss, 1990a: 381).

Tomando uma passagem da Marselhesa - citação com diversas conotações para esta dissertação - Sahlins nos diz que “le jour est arrivé” para a conformação de uma antropologia histórica de corte estrutural (Sahlins, 1997a:78).

Esta antropologia histórica de base estrutural, o que tenta por uma parte é “... refutar el concepto de la historia mediante la experiencia antropológica de la cultura.” (Id.Ibid.). Fazendo referência à história que leva a estranha morte do Capitão Cook em terras hawainas o autor afirma: “Las historias, hasta ahora oscuras, de remotas islas, merecen un lugar junto a la autocontemplación del pasado europeo - o la historia de las “civilizaciones” - por sus propios aportes notables a la comprensión histórica. “(Id.Ibid.).

Numa citação, que aparecerá mais de uma vez neste trabalho, insistir-se-á em que a diversas culturas correspondem diversas historicidades (Sahlins, 1997a:12) e que, apesar do esforço de Tucídides de “...eliminar de su historia a todo los elementos de lo maravilloso”, ilustrando desta forma, segundo nosso autor o começo da “historiografía de la Verdad sin ornamentos o el triunfo de logos sobre el mito.” (Sahlins, 1997a:64); as historicidades possíveis daquelas sociedades chamadas “quentes” (Lévi-Strauss, 1990a), continuam se sustentando em mitos e habilitando o exercício mitoprático2. Vamos desenvolver este aspecto com maior profundidade no capítulo  3.

Resta, não obstante, apontar nesta introdução alguns aspectos iniciais que tangem a esta dissertação. Temos trabalhado (e problematizado) sobre uma construção simbólica que ao nosso entender merece o nome de “nação laica”. Quando falamos de “cultura uruguaia”, estamos fazendo referência a um constructo identitário desenvolvido no tempo, sem pretender praticar nenhum exercício de substancialização. Se bem é verdade que a identidade, como aponta Lévi-Strauss, “…es un fondo virtual al cual nos es indispensable referirnos para explicar cierto número de cosas, pero sin que tenga jamás una existencia real” (Lévi-Strauss, 1981:369), também é verdade que a mesma se manifesta a partir de representações emblemáticas e mitos em permanente atualização e reatualização. Daí as possibilidades da mito-práxis.

Uma outra aclaração: se, como bem aponta Lévi-Strauss em sua Introdução à Obra de Marcel Mauss (Lévi-Strauss, 1991:20), uma sociedade nunca é totalmente simbólica (Id. Ibid.), resta por estabelecer que a pretensão desta análise é determinar os principais mitos e representações que - relacionalmente - conformaram uma centralidade ou estrutura. Lembremos aqui que para Sahlins, a estrutura conforma “relaciones simbólicas del orden cultural” (Sahlins, 1997a:9).

Estas relações simbólicas não implicam um desejo de totalização. A descontinuidade, anunciada por Lévi-Strauss na Introdução à Obra de Marcel Mauss (Lévi-Strauss, 1991), está presente (como limite, margem e imcompletude) tanto na dimensão sincrônica quanto  diacrônica.

Por conseguinte, nossa intenção é tentar dar conta, num período de tempo - desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX - dos mitos e representações que vão conformando e vão se conformando em uma temporalidade específica como pedra fundamental desta construção cultural chamada Uruguai, o que não significa  nem que eles dão conta de uma totalidade (ao menos, não em termos absolutos), nem que tampouco, nós damos conta através da indagação realizada de todos e cada um dos aspectos da cultura uruguaia. Neste sentido, o conto de Borges (1995) sobre a confusão entre “mapa” e ”território” continua sendo pertinente.3

   

Mitos, mito-práxis e representações

 

Uma antropologia histórica estrutural implica uma mudança na própria noção de estrutura bem como na peculiar relação entre estrutura e acontecimento (este último ponto será desenvolvido no capítulo 3). Embora a noção de estrutura seja apenas esboçada por Saussure(1992)4, seu esquema inicial era muito mais útil para sua aplicação no plano sincrônico. Ao colocar Sahlins (1997a) o ingresso da diacronia ao próprio conceito de estrutura, as relações entre estrutura e acontecimento se tornam mais flexíveis e intercambiáveis. A mito-práxis devêm possível. Mas, continuemos um pouco mais neste caminho de mitos e mito-práxis. Se, para Barthes (1980) e Lévi-Strauss (1990a), os mitos se conformam com restos de discurso e acontecimentos (ou seja, não são nunca um sistema semiológico primeiro como a língua, embora a tomem como modelo), o salto que dá particularmente Barthes é considerar as representações como sistema de signos (Barthes, 1980:8). Este salto, talvez aparentemente menor, traz conseqüências importantes para as próprias “Mitologias” barthesianas (Barthes, 1980), tanto quanto para os desenvolvimentos posteriores.5

No capítulo 3 desenvolvi mais o conceito de mito e mito-práxis a partir da tríade Barthes - Lévi-Strauss - Sahlins. Paremos um pouco aqui no conceito de representação e de representação emblemática6.

Na tradição antropológica, o conceito de representação nos reporta à Escola Sociológica Francesa - particularmente à Durkheim (1989) e Mauss (Durkheim e Mauss, 1968) - e no pensamento contemporâneo, nos leva - entre outros - às exposições de Bourdieu (1985, 1992, 1993, 1997, 1998) em dois níveis que ao mesmo tempo o vincula e o contrapõem com a herança da sociologia e antropologia francesa clássica.7

Se, em Durkheim as representações tomam a forma da sociogênese de categorias de classificação (número, tempo, espaço, etc.)8 e de código comum da sociedade, em Bourdieu (1985, 1992, 1993, 1997, 1998) ao contrário, este código comum só é inteligível quando  tratado a partir de sua sociogênese até seus diferentes desenvolvimentos e possibilidades, como resultado de lutas de classificação da realidade que são lutas por ordenar e nominar e, por conseguinte, para constituir a realidade, sendo então enfrentamentos entre aqueles que possuem (ou desejam possuir) o monopólio de ordenar e nomear. À primeira vista paradoxal, o monopólio por nomear e ordenar ganha sua validez quando os códigos emergentes desta monopolização se disseminam e devêm em senso comum.

Sentido comum que conforma a dimensão a-problemática de toda cultura, naturalizando as ordens e nominações dominantes, tanto quanto a relação entre dominados e dominantes9.

Também as representações podem se referir a emblemas que, no caso de Durkheim (1989), dão conta de um coletivo (churingas australianos)10 e em  Bourdieu (1985, 1998) assumem o caráter de luta de representações, particularmente de representações emblemáticas, que são marcadores identitários de um grupo, mas que, por sua vez, não devem ser entendidos como simples indicadores ou traços (antropologia culturalista), nem, tampouco, como emblemas produto da sociedade como uma totalidade harmônica.

As representações emblemáticas são também o resultado de lutas simbólicas por conformar uma identidade - e estabelecer a legitimidade da mencionada identidade - ao mesmo tempo que são impensáveis fora de uma dimensão relacional. Aquela afirmação de Lévi-Strauss que fazia referência a “o real enquanto relacional” (Lévi-Strauss,1987)11, estabelecendo que um signo ou um mitema ou inclusive um mito, não pode ser estudado “em si”, mas em relação a outros signos,  outros mitemas ou a outros mitos, toma, na exposição bourdiana, outro aspecto também des-substancializador, enquanto as representações, em seu duplo sentido, conformam “arbitrários culturais” (Bourdieu, 1995, 1998) produtos constantes de negociações, lutas e renegociações.

Se não há identidade sem alteridade, se não há o mesmo e o Outro e o “outro” (para aqueles que não depositam suas crenças no sujeito) – tema que será trabalhado nos capitulos 5 e 6 – também não há, pois, representações emblemáticas que sejam produzidas e produzam uma construção identitária sem relação a outras identidades que passam a ser percebidas como alteridades, a partir justamente da diferenciação das representações, já não instaladas como “traços” de tal ou qual grupo, senão como representações que marcam “o lugar” que o agente - grupo ou indivíduo - tem num espaço social determinado, espaço  relacional, espaço, portanto, sulcado pelo poder em seu caráter também relacional.

O exercício das representações emblemáticas é tentar de negar seu caráter de arbitrário cultural. As representações  emblemáticas desejam mostrar a não arbitrariedade significado/significante e, nesse sentido, tornam-se símbolos (como o caso do símbolo da Justiça para Saussure)12. E é assim que a indagação da mito-práxis em “culturas quentes” se torna realizável. As representações oscilam entre uma ordem sintática e semântica13 e sua conjunção - tal como a dos signos - conformam mitos.

Também, como aponta Sahlins (1997a), não têm por que se apresentar em termos contrastivos, como no sistema estruturalista clássico. (Sahlins,1997a:141). Assim, vamos detectar várias dimensões do mito da igualdade (Cap. 4 e 5), sem, porém, aprofundar mais outros mitos da nação laica, na medida em que a imbricação entre representações não ultrapassa - como relevante - essas “relações simbólicas da ordem cultural” (Sahlins, 1997a:9) dada pela curiosa união (uruguaia) entre igualdade e homogeneidade.

  

Religião Civil e Mito-práxis

 

Neste trabalho tentamos ligar o conceito de religião civil com o de mito-práxis. A escolha tratava de fazer justiça com as maneiras de estabelecer uma mito-práxis no quadro das lutas simbólicas que ocorreram no Uruguai e que possuíram dois aspectos principais, a saber: a elaboração de um conjunto limitado de categorias e símbolos - produzidos principalmente a partir do Estado - a partir do qual se conformou e matrizou um modelo de nação e, ao mesmo tempo, um violento exercício de privatização - jacobino, como o chamara José Enrique Rodó - em que as diferenças e diversidades possíveis foram excluídas do âmbito público, num largo exercício de privatização. Vamos desenvolver estas idéias no capítulo 2. 

Corresponde apontar, desde já, que essa religião civil uruguaia, conformada pelos mitos e representações que indagamos, teve um de seus lugares privilegiados - palco e âmbito - na escola pública (laica, gratuita e obrigatória), produtora de cidadãos uruguaios.

A princípio, a tentação althusseriana (1970) de pensar a escola sob a ótica de Aparelhos Ideológicos do Estado parece bastante sedutora.

No entanto, nosso olhar supõe que a mito-práxis estabelece um consenso simbólico comum, que se atualiza de maneira diferente em função de contextos de percepção diferentes. O “quietismo” do mito, fica invalidado no exercício mitoprático na medida em que “as categorias recebidas” se põem sempre em jogo em função da experiência empírica (Augé, 1995; Sahlins, 1997a) ao qual devam se submeter. Desta forma (como apontamos no capítulo 3), o fato de possuir um corpus mítico comum, não implica que todos os integrantes de uma mesma cultura irão atualizá-los da mesma maneira, embora, sim, darão conta nas suas confrontações, lutas e negociações (que tangem à vida social) destes referentes cristalizados em mitos e representações.

  

Temática, objeto da pesquisa, metodologia

 

Esta dissertação tem como objeto o estudo da religião civil da nação, de seus mitos e suas representações, através da análise de textos de leitura obrigatórios nas escolas primárias do Uruguai. Para isso, utilizamos a maior quantidade de textos de escola ainda existentes (muitos estão em mal estado, dada a passagem do tempo) utilizados e produzidos no Uruguai desde a reforma do ensino público, ocorrida no Uruguai em 1877 até a década dos ’30.

Esta delimitação temporal coincide com as várias indagações (Achugar, 1992; Caetano, 1992; Caetano e Geymonat, 1997; Pareja e Pérez, 1987; Porzekanski, 1992; Viñar, 1992) que colocam o primeiro “modelo” de construção da identidade uruguaia neste período de tempo14. Nele, o processo de cristalização da identidade uruguaia é impensável fora da maturação do sistema de educação pública, na medida em que no Uruguai a nação se conformou principalmente a partir do Estado, e a escola foi - entre outras instâncias estatais e não estatais - a matriz produtora de cidadãos adscritos ao Uruguai. Ou seja, as crianças, tornar-se-ão cidadãs - portadoras e produtoras da religião civil - que estes templos laicos, gratuitos e obrigatórios, colaboraram a produzir.

Selecionar os textos de leitura obrigatória, a fim de ver neles os principais mitos e representações da nação, implica ir além dos códigos primários que os mesmos levam implícitos para sua codificação por meio da leitura, para ir - citação que reiteraremos  - a

 

...los principios de visión y división comunes, formas de pensamiento que son para el pensamiento cultivado lo que las formas primitivas de clasificación descritas por Durkheim y Mauss son para el “pensamiento salvaje”, contribuyendo con ello a elaborar lo que se designa comunmente identidad nacional ...(Bourdieu, 1997:106).

 

 

Estes princípios de visão e divisão supõem um exercício de consenso simbólico que, para este caso, pareceu-nos bem apresentado nos textos de leitura obrigatórios da escola primária. Sua seleção esteve dada justamente pelo caráter de obrigatoriedade da sua leitura, muito mais conjuntural em outros textos produzidos para disciplinas específicas (Geografia, História, etc.).

Esclarecemos que, embora interessou-nos manter uma ordem cronológica de edição e duração dos diferentes textos (na medida em que a mito-práxis é aqui um processo), também mantivemos o conselho dado por Gustavo Verdesio (1996) acerca das maneiras de indagar um corpus textual. O autor aponta que, sem abandonar o critério cronológico, é fundamental considerar os vetores de sentido e referentes  que os mesmos constituem (Verdesio, 1996:9-11). Ambos os critérios - o cronológico e a conformação processual de diferentes referentes - são os que conduziram nossa aproximação dos textos.

Vamos consignar então que, embora nosso material empírico sejam os textos obrigatórios de leitura utilizados na escola pública, nosso objeto é a indagação  dos mitos e representações que conformaram a religião civil uruguaia que inclui, ao mesmo tempo que transcende, os mencionados textos. Neste sentido, esta dissertação não pretende ser uma exaustiva indagação antropológica sobre o sistema de educação no Uruguai, mas antes a análise dos mitos e representações nesse âmbito, sem esquecer o contexto sócio-histórico mais amplo que  permitiu sua existência.

Assim, a problemática desta dissertação faz referência – e intenta responder - ao paradoxo que resulta da construção da  nação laica uruguaia, nação laica que foi conformada mediante mitos e representações imbricados na religião civil da nação, os quais permitiram e habilitaram os exercícios mitopráticos dos cidadãos uruguaios.

 Finalmente, para acabar o percurso esboçado nesta introdução, adiantamos que esta dissertação está dividida em sete capitulos.

No capítulo primeiro, estabelecemos as razões e os significados do estudo da nação laica uruguaia tentando, ao mesmo tempo, conjugar os conceitos de secularização, laicismo, religião civil e nação, reportando-nos aos exemplos da religião civil francesa e americana.

 O capítulo segundo desenvolve a gênese, emergência e consolidação da nação laica uruguaia, considerando os diversos agentes que estiveram presentes neste processo.  Tentamos recriar o processo sócio-histórico de construção e imposição da religião civil uruguaia, ao tempo que indicávamos o largo exercício de privatização (desde o estabelecimento de relações assimétricas até a expulsão) de ouras fidelidades que concorriam com os almejos, justamente abrangentes da religião civil em questão.

No capítulo terceiro são levantadas as possibilidades do mito e a mitopráxis em sociedades "“com história”, dando particular importância  ao papel do Estado e à escola (em termos gerais, e especialmente para o Uruguai), e colocando como os mitos e representações acham-se performativamente presentes nos textos obrigatórios de leitura da escola pública uruguaia.

O capítulo quarto é o primeiro a penetrar diretamente numa das configurações míticas uruguaias: o mito da igualdade.

Os seguintes capitulos (quinto e sexto) mostrarão a cara da assimetria e a exclusão presentes na produção da religião civil uruguaia.

Por último, o capítulo sete, volta aos remansos integrativos da exaltada religião civil da nação laica.



   1 Também Sahlins, em Cultura e Razão Prática (1997b), mostra que o “operador totêmico” - uma das dimensões do pensamento em estado selvagem segundo Lévi-Strauss (1967, 1990a) - continua atuando em nossas culturas aparentes “reinos” do pensamento domesticado. Embora para Lévi-Strauss o pensamento em estado selvagem  em boa parte segue presente (1967,1990a), é Sahlins quem lhe atribui uma centralidade muito mais importante. A diferença entre aquelas culturas onde o operador totêmico  “...articula diferencias entre las series culturales con diferencias en las especies naturales.” (Sahlins, 1997b:176) radicaria em que esta articulação já não seria a preponderante na nossa. Face a uma aparente racionalidade utilitária mostrada como dimensão explicativa de nossa cultura, Sahlins dirá: “El totemismo moderno no se contradice con una racionalidad de mercado. Por el contrario, es promovido precisamente en la medida que  los valores de cambio y de consumo dependen de decisiones relativas a su “utilidad”. En efecto, esas decisiones giran en torno del significado social de contrastes concretos entre los productos.” (Sahlins, 1997b: 177). Teríamos, por conseguinte, em nossas culturas contemporâneas, “classificações totêmicas” traçadas com outras séries. 

 

 

   2 Referindo-se aos mitos na contemporaneidade, Marc Augé afirmará: “…acaso habrá que decir que toda historia puede ser mítica: es significativo que hoy se haya podido hablar del “fin de la historia” en el momento mismo en que, por las mismas razones, se proclamaba la muerte de las ideologías, es decir, de los mitos reconocidos como tales y condenados a muerte a partir del momento en que se los reconocía en su condición de tales.” (Augé, 1995:18).

 

 

 

   3 Vale a pena, dado a sua brevidade, reproduzir aqui o conto de Borges chamado, não sem razão: “Del rigor en la ciencia” : “…En aquel Imperio, el Arte de la Cartografía logró tal Perfección que el Mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el Mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegas de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente con él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a la Inclemencia del Sol y los Inviernos. En los Desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay reliquia de las Disciplinas Geográficas.” (Borges, 1995:128). 

 

 

   4 Embora a reformulação da estrutura saussureana colocada por Sahlins (1997a.) não mude por este fato, corresponde lembrar que segundo Benveniste (1971), foi muito mais importante o conceito de sistema do que o de estrutura para Ferdinand de Saussure. 

 

 

   5 Outros exemplos de considerar as representações como sistemas de signos acha-se presente em Moscovici (1995).

Também Ruano-Borbalan, estabelecerá a relação entre representações e mitologia da seguinte maneira: “Les représentations  s´expriment au travers de mythologies (…) Car l´un des aspects des représentations sociales est leur capacité à se perpétuer.” (Ruano-Borbalan, 1993:17). 

 

 

   6 Também  foi-me útil para refletir sobre esta temática o trabalho de Maria Eunice Maciel (1996) sobre as figuras emblemáticas: “O emblema enquanto uma figura simbólica destinada a representar um grupo, faz parte de um discurso que contribui ao  ato de reconhecer, dizendo algo sobre o grupo ao qual pertence.” (Maciel, 1996:34).  

 

 

 

   7 A dupla acepção surgida da Escola Sociológica Francesa do termo representação tem levado a um conjunto importante de reflexões. Diferencia-se assim entre categorias (ou representações sociais) e representações coletivas.

“Durkheim é o autor que primeiro trabalha explicitamente o conceito de Representações Sociais. Usando no mesmo sentido que Representações Coletivas, o termo se refere a categorias de pensamento através das quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade.” De Souza Minayo (1995:90). O ponto mais sutil dos possíveis nexos entre umas e outras representações, foi o conseguido por Luis Cardoso de Oliveira através da seguinte análise:

“Se, por um lado, tanto as categorias como as representações coletivas são construídas socialmente, pois ambas referem-se ao todo e não a aspectos específicos do real, por outro, enquanto fundamentos do conhecimento e como as precursoras da razão, as categorias atuam como ponto de referência a partir dos quais as representações coletivas são construídas.”(Cardoso de Oliveira, 1993:3). 

 

 

   8  “Se, portanto, a cada momento do tempo, os homens não estivessem de acordo sobre essas idéias essenciais, se eles não tivessem una concepção homogênea do tempo, do espaço, da causa, do número etc., todo acordo entre as inteligências tornar-se-ia impossível e, por conseguinte, toda vida comum.  A sociedade também não pode abandonar as categorias ao livre arbítrio dos particulares sem se abandonar a si própria.” (Durkheim, 1989: 46)

 

 

 

   9 Este sentido comum, então, é o resultado de, valha a redundância, “…la lucha simbólica por la producción del sentido común o, más precisamente, por el monopolio de la nominación legítima.” (Bourdieu, 1993:138).

 

 

 

  10 A gênese da utilização do termo emblema, está associada a Durkheim. Comparando a bandeira de uma nação com o totem do clã (“Ora, o totem é a bandeira do clã.”), Durkheim faz referência à capacidade representativa dos churinga, enquanto sua capacidade abrangente e representacional do grupo: “Como essa imagem que se repete por toda a parte e sob todas as formas não assumiria nos espíritos relevo excepcional? Colocada assim no centro da cena, ela se torna representativa.” (Durkheim, 1989:276).

 

 

 

  11 O estruturalismo “…rehúsa tratar los términos como entidades independientes, y toma como base de su análisis, por el contrario, las relaciones entre los términos…” (Lévi-Strauss, 1987:77).  

 

 

 

  12 A naturalização da representação, faz com que a arbitrariedade significado/significante se mostre com algum rudimento de conexão “natural”, o que faz a diferença entre signo e símbolo. “El símbolo tiene por carácter no ser nunca completamente arbitrario; no está vacío: hay un rudimento de vínculo natural entre el significado y el significante. El símbolo de la justicia, la balanza no podría reemplazarse por otro objeto cualquiera, un carro, por ejemplo.”(Saussure, 1992:91).

 

 

 

 

  13 - Nem sempre as representações podem chegar a modalidades relacionais capazes de estabelecer mitos, mas conformam parte do corpus mítico comum. Neste sentido, a opção semântica de Paul Ricœur e a sintática de Lévi-Strauss, bem podem se conjugar, se consideramos como base de constituição dos mitos as representações. Sobre este ponto, ver Lévi-Strauss (1967).

 

 

  14 O termo “primeiro modelo” pode parecer bastante suspeito, porque supõe um conjunto de modelos posteriores. Quando falamos de “primeiro modelo”, fazemos referência a que o mesmo é fundante e que possui - de fato - largos exercícios de atualização (o que não significa reprodução do idêntico).