CAPÍTULO 3 - OS TEMPLOS DA NAÇÃO: REPRESENTAÇÕES E MITOS DA NAÇÃO LAICA

 

3.1. Mitos, representações, Estado, textos  e escola

 

Abordar as representações que progressivamente se tornam emblemáticas assim como os  mitos e narrativas que configuram a religião civil da nação requer também estabelecer o locus onde as mencionadas  simbologias  circulam e são enunciadas.

É neste sentido que nos propomos localizar como lugar privilegiado de produção e de circulação da religião civil uruguaia a escola pública.

O fato de privilegiar, acima de outras instâncias, a escola pública como âmbito de produção da religião civil e portanto da nação laica, não resulta de uma eleição gratuita.

Em primeiro lugar, bastaria lembrar aqui a relevância que toma a escola pública em termos gerais, seja enquanto produtora da religião civil da nação, seja  enquanto gestora desse sujeito - cidadão portador de tal religião civil. De acordo com Bourdieu, é através da escola e da generalização da educação elementar que se exerce:

 

…sobre todo la acción unificadora del Estado en materia de cultura, elemento fundamental de la construcción del Estado-nación. La creación de la sociedad nacional va pareja con la afirmación de la educabilidad universal: como todos los individuos son iguales antes la ley, el Estado tiene la obligación de convertirlos en ciudadanos, dotados de los medios culturales para ejercer activamente sus derechos cívicos” (Bourdieu, 1997: 106).

 

 

Este processo dar-se-ia através da inculcação dos “…fundamentos de una verdadera `religión cívica´, y más precisamente, los presupuestos fundamentales de la imagen (nacional) de uno mismo.” (Bourdieu, 1997:106).

Para o caso uruguaio, a marca da escola pública toma particular relevância como capacidade abrangente[1] e, do mesmo modo, em termos de tornar-se um verdadeiro bastião da construção da nação laica. Igualmente, a própria escola pública e seu fundador - José Pedro Varela[2] - tornam-se também representações emblemáticas, partes das construções míticas integrantes da religião civil uruguaia.

A marca da escola na configuração progressiva da nação laica radica no fato de que foi a escola pública um dos lugares privilegiados de produção e circulação da religião civil da nação por meio de dois aspectos.

O primeiro, tem a ver com a gestação do laicismo enquanto conjunto de representações e mitos que cristalizam no sujeito-cidadão (habitante do âmbito público), capaz de obliterar as peculiaridades de adscrição (sejam  religiosas, ou de outra ordem: o gaúcho, o europeu, o afro-uruguaio, deviam sacrificar suas peculiaridades para uma nova construção cultural “neutra”: o cidadão). Neste sentido, a construção do cidadão, encontrar-se-á no conjunto de valores outorgados (cidadão, democracia, igualdade), que deverá requerer a obliteração de “outros” (Outro e outro) enquanto interpelantes de uma matriz homogeneizante.

É assim que as heterogeneidades culturais, (o gaúcho, o índio, o afro-uruguaio) tentarão ser absorvidas pela via do seu desaparecimento, ou então por meio de sua colocação em um ponto inferior dentro do esquema hierárquico de evolução em direção a uma cidadania plena. O único Outro aceito será o imigrante europeu, através da sua “nacionalização” (ou seja, sua uruguaicização).

 

O outro aspecto está ligado ao progressivo desaparecimento do Deus católico das escolas públicas  e à elaboração de um conjunto de mitos de fundação capazes de estabelecer uma sacra história da nação, onde não intervêm elementos denominacionais e à qual todos os cidadãos podem permanecer fiéis, estabelecendo suas peculiaridades religiosas e culturais em um segundo plano. A heterogeneidade religiosa é excluída do panteão da nação e excluída do âmbito público.

Por outro lado, o fato de que desde 1909 (embora relativizada até depois dessa data por escassas lições onde ainda aparece alguma referência), o ensino religioso exercido nas escolas públicas constitui um delito, implica que os mitos e representações da nação, ficarão incólumes de eventuais conexões às religiões existentes, num esforço que ao tentar ser substitutivo, traz no seu bojo a privatização das religiões não civis no âmbito privado.

Atendendo a esta particular incidência da escola no Uruguai, a CEPAL estabelece:

 

De pocas sociedades se puede decir como la de la uruguaya, que la sociedad es hija de la escuela. A lo largo de más de un siglo, la escuela no sólo fue incorporando en forma lenta y progresiva a la población, sino que fue transfiriendo a la sociedad no sólo el lenguaje (…) y las formas de pensar, sino también un conjunto de valores que definen al Uruguay  en el contexto internacional. (Cepal, 1990:11)

 

 

Este comentário “técnico”  da CEPAL, pode permitir uma nova leitura a partir do olhar crítico de Bourdieu. De acordo com a citação já apresentada de Bourdieu, é através de:

 

…las estructuras escolares (que) el Estado moldea las estructuras mentales e impone principios de visión y división comunes, formas de pensamiento que son para el pensamiento cultivado lo que las formas primitivas de clasificación descritas por Durkheim y Mauss son para el `pensamiento salvaje´, contribuyendo con ello a elaborar lo que se designa como la identidad nacional (…). (Bourdieu, 1997:106).

 

Interpelar os textos de leitura que foram usados desde a cristalização da escola pública até as primeiras décadas do presente século, não somente nos remete ao caráter processual dos mitos e representações que conformam  a nação, senão às próprias características que possam ser atribuídas à nação em seu processo de configuração. Logo, à constituição de um “nós”.

Enquanto a escola pública ocupou um lugar fundamental no processo de fundação da nação e, portanto, outorgou o repertório simbólico dos principais mitos e representações sustentadoras da religião civil da nação e pedra fundamental do modelo criador da identidade uruguaia, o estudo dos textos que foram usados desde a implantação do primeiro sistema escolar público, desde os seus inícios até as primeiras décadas de nosso século, resulta revelador em demasia.

Evidentemente, a seleção de um corpus escrito (textos escolares de leitura), desde os inícios do sistema escolar público até as três  primeiras décadas deste século não é produto do acaso, assim como de toda maneira um corte temporal implica um certo grau de arbitrariedade, na medida em que o efeito das representações e os exercícios mitopráticos têm uma perdurabilidade em geral maior do que a temporalidade em questão.

Porém, podemos estabelecer que os textos que começam a circular desde o Decreto-Lei de Educação Comum em 1877 (momento mítico de fundação da escola pública) até aproximadamente a década dos 30 de nosso século, configuram os principais mitos e conjunto de representações da nação laica. A religião civil - sacralidade do corpo social - acaba de se completar como sistema simbólico na medida em que já possui capacidade estruturada/estruturante, e mostra-se como conjunto limitado de mitos e representações possíveis, fornecedora das representações que englobarão as mito-práxis várias. Ou seja, a maturação dos princípios de visão e divisão comuns citados por Bourdieu (1997).

Neste sentido,  embora possamos admitir “…que, notamment à travers l´ecole, l`Etat cherche à maintenir un minimum de repères symboliques caractérisant l´espace social qu´il regule” (Williame, 1990:145)”,  por outra parte,

 

L´identité collective qui en résulte ne doit pas être appréhendée substantiellement, comme s´il y avait une essence des sociétes nationales, mais être considérée d`un point de vue dynamique comme le produit de l´action sociale et donc comme un construit social qui évolue sans cesse… (Id.Ibid.).

 

Assim, as diversas levas de crianças que freqüentaram a escola não seriam simples reprodutores, estranhos sujeitos de ideologia, no marco de uma aparelhagem de Estado.

 A reprodução é uma possibilidade da cultura, mas esta pode ter marcos de pluralidade. Não é o transporte da “essência” da nação consignada em relação a crianças “essencialistas”, mas o conjunto de mitos e representações “básicas” que podem ser atualizados de diversas formas, desde a mito-práxis como quase continuidade textual na prática, até mito-práxis diferenciais que se apropriam de maneira diferencial do mesmo repertório simbólico, resignificando-o de maneira diferente, e inclusive oposta.

Nesse sentido, esta dissertação aborda as possibilidades da mito-práxis nas “sociedades quentes” (Lévi-Strauss, 1990a:339). Ou seja, como se tornam míticas as diversas formas de historicidade. Estas historicidades são míticas enquanto estabelecem a naturalização das histórias possíveis.

É assim que o sucesso só se torna acontecimento no marco das “sociedades quentes” por meio da sua naturalização. Assim, os mitos da nação devem enfrentar- se ao paradoxo de fornecer a-historicidade (eternidade e naturalização) a acontecimentos que como tais, são claramente históricos, ou então, naturalizar relações de ordem assimétrica (exemplo: branco, preto) ou estabelecer “nexos” significantes (nação com democracia), que remetem, por sua vez, ao conceito de cidadão, quase em uma intercambiabilidade metafórica.

Esta conjunção de tópicos tão diferentes para o caso uruguaio, remete porém à construção da nação moderna, na qual, como bem diz Renan:

“...l´essence d´une nation est que tous les individus aient beaucoup de choses en commun, et aussi que tous aient oublié bien des choses.” (Renán, 1961:892).

Este conjunto de “coisas” compartilhadas e tidas em comum (incluindo aqui as “esquecidas” em comum) convém à absorção do devir histórico em, precisamente, culturas que se ordenam por meio  desse devir.     Ainda mais: tratar-se-ia da condição do exercício da mito-práxis em culturas “históricas” ou “quentes”. Estabelecer que a religião civil tem base na conjunção de mitos e de representações é possível.

Conjuntamente com Girardet (1999) e o seu trabalho “Mitos y mitologías políticas”, Willaime lembra que a construção da unidade está diretamente ligada à produção da religião civil com seus mitos. Se a religião civil: “…c´est  en quelque sorte le culte de l´unite du corps social, le sacrement de l´unité sociale (Willaime, 1993:571), a mencionada sacramentalidade implica ao mesmo tempo :

 

…un arrière-plan de construction mythique, étonnamment riche, un réseau singulièrement dense de représentations oniriques, d´images et de symboles.

Il s´agit, en effet, de conjurer la crainte latente de désintégration  du corps social et donc de renforcer sans cesse l´unité au niveau symbolique. (Willaime, 1993:572).

 

 

Porém, a construção dos mitos da nação sofrem do seguinte paradoxo na medida em que:

 

…la nación como sujeto de la Historia nunca puede solucionar el abismo de la aporía existente entre el pasado y el presente (…)" pues, "(…) mientras por un lado los estados-nación glorifican el carácter antiguo o eterno de la nación, también buscan enfatizar la naturaleza sin precedentes del estado-nación, porque es sólo en esa forma que el pueblo-nación ha podido realizarse a sí mismo como el sujeto autoconciente de la Historia. (Achugar, 1998:12).

 

 

Esta observação nos aproxima ao problema da construção mítica em culturas que se estabelecem a partir de uma historicidade, com o conjunto de problemas que se podem enfrentar a partir da conjugação - não  de mito e de história - senão do mito na história. Por um lado, a religião civil de uma nação deve apresentá-la como a-histórica, no sentido de outorgar- lhe  uma teleologia que é a-histórica, e ao mesmo tempo que se deve desenvolver por meio de um conjunto de acontecimentos concatenados e ordenados cronologicamente no tempo e que enunciaram progressivamente esse “nós” que cristaliza na nação.

A respeito da concreção do mito na história, partamos inicialmente dos aspectos comuns sobre a configuração do mito, na versão de dois grandes mitólogos: Barthes e Lévi-Strauss.

Para ambos, o mito se constrói através de “restos” do discurso social. Lévi-Strauss insiste em que as unidades que conformam o pensamento mítico estão “pré-constrangidos” na medida  “…de que se han tomado en préstamo al lenguaje, en el que poseen ya un sentido que restringe la libertad de maniobra…” (Lévi-Strauss, 1990a:38-39).  Ou seja, “…han servido como palabras de un discurso que la reflexión mítica `desmonta´ a la manera del bricoleur que arregla los engranajes de un viejo despertador desmontado...” (Lévi-Strauss, 1990a:61).

Porém, avisa Lévi-Strauss,

 

El pensamiento mítico edifica conjuntos estructurados por medio de un conjunto estructurado que es el lenguaje; pero no se apodera al nivel de las estructuras: construye sus palacios ideológicos con los escombros de un antiguo discurso social. (Lévi-Strauss, 1990a:42). 

 

Tratar-se-ia, por conseguinte, de restos de acontecimentos:

 

Ahora bien, lo propio del pensamiento mítico, como del bricolage en el plano práctico, consiste en elaborar conjuntos estructurados, no directamente con otros conjuntos estructurados, sino utilizando residuos y restos de acontecimientos; odds and ends, diría un inglés o, en español, sobras y trozos, testimonios fósiles de la historia de un individuo o de una sociedad. (Lévi-Strauss, 1990a:43).

 

 

Barthes, por seu lado, estabelecerá, paralelamente com Lévi-Strauss, que o mito “…es un sistema semiológico particular por cuanto se edifica a partir de una cadena semiológica que existe previamente: es un sistema semiológico segundo.” (Barthes, 1980:205).

 O mito, é a “linguagem roubada”, enquanto que

 

 

…lo que constituye el signo (…) en el primer sistema, se vuelve simplemente significante en el segundo. Recordemos aquí que la materia del habla mítica (lengua propiamente dicha, fotografía, pintura, cartel, rito, objeto, etc.) , por diferentes que sean en un principio y desde el momento en que son captadas por el mito, se reducen a una pura función significante: el mito encuentra la materia prima; su unidad consiste en que son reducidas al simple estatuto de lenguaje. (Id.Ibid.).

 

 

Este aspecto em comum no pensamento de Barthes e Lévi-Strauss de entender o mito enquanto elaboração “secundária” a partir de “restos” de discursos e de acontecimentos (é, para o caso de Barthes, cujo projeto semiológico era mais amplo, toda matéria que admita ser transformada em linguagem, e portanto em “matéria” para o mito), conjuga-se, porém, sob diferentes aspectos no que tange  à relação entre  mito e história.

Para Lévi-Strauss, justamente, a possibilidade de “existência plena” de pensamento mítico, radica em sua capacidade de negar- se a dar lugar ao devir histórico, de negar-se a estabelecer uma corrente concatenada de acontecimentos desenvolvidos em uma linearidade.

Esta afirmação, porém, não se contradiz com o fato de que o mito seja construído a partir de fragmentos de discurso social e de acontecimentos. Um mito pode conter faíscas de historicidade (na medida justamente em que trabalha sobre partes de acontecimentos já consumados).

A diferença entre as possibilidades do mito e do devir histórico não se encontra  tanto no “grau zero” de historicidade do primeiro, senão  no “congelamento” da tal historicidade. Em uma historicidade aberta ou fechada: “…el hecho de que esta historia existe, ya sea encerrada en sí misma, acerrojada por el mito, ya sea abierta, como una puerta sobre el porvenir.” (Lévi-Strauss, 1967:165).

Desta historicidade fechada, mítica, que nega o acontecimento, deriva-se a diferenciação por parte de Lévi-Strauss em

 

…sociedades `frías´ y las sociedades `calientes´: una de las cuales buscan, gracias a las instituciones que se dan, anular de manera casi automática el efecto que los factores históricos podrían tener sobre su equilibrio y su continuidad; en tanto que las otras interiorizarían resueltamente el devenir histórico para hacer de él el motor de su desarrollo. (Lévi-Strauss, 1990a:339).

 

 

As primeiras tomam restos de discurso social e de acontecimentos sob uma lógica classificatória na qual cada novo acontecimento deve manter uma relação especular com o sistema classificatório em questão. Um acontecimento que “rompesse” com as possibilidades  de classificação do sistema em questão elaboraria outra lógica “…la del pensamiento domesticado, del que el conocimiento histórico constituye un aspecto.” (Lévi-Strauss, 1990a:381).

Esta  última seria a característica das “sociedades quentes”. Ordenar-se em termos de acontecimentos concatenados, superar a descontinuidade através da constituição de uma continuidade. Superar o “sem-sentido”, construindo um sentido que, à diferença do pensamento mítico, não se elabora mediante

 

…un conocimiento, ya no discontinuo y analógico, sino intersticial y unificador: en vez de duplicar lo objetos mediante esquemas elevados a hacer el papel de objetos sobreañadidos, trata de superar una discontinuidad original vinculando a los objetos entre sí. (Lévi-Strauss, 1990a:381).

 

Esta última observação de Lévi-Strauss poderia nos levar a colocar a construção de mitos em “âmbitos quentes” naquelas culturas que aceitam o “devir histórico” como seu motor, se pudesse ser superada a dicotomia da classificação de restos de acontecimentos versus “ordenamento contínuo de acontecimentos”. A produção de “continuidade” em “âmbitos quentes” poderia pensar- se como uma construção mítica.

Para sermos justos com Lévi-Strauss, digamos  que este tipo de reflexão já se encontra presente em sua elaboração:

 

Pero a pesar de todo el muro que existe en cierta medida en nuestra mente entre mitológica e historia probablemente pueda comenzar a abrirse a través del estudio de historias concebidas ya no en forma separada de la mitología, sino como una continuación de ésta. (Lévi-Strauss, 1990b:65).[3]

 

Mas, a concreção do mito no devir histórico, do mito como produto histórico, encontra-se nas elaborações de Barthes .

Partindo, como apontamos, do mesmo postulado de Lévi-Strauss que: “…la palabra mítica está constituída por una materia ya trabajada pensando en una comunicación apropiada. “(Barthes, 1980:200) ; Barthes, se diferencia de Lévi-Strauss  na medida em que  a naturalização do acontecimento é a característica da construção mítica nas culturas que para Lévi-Strauss seriam `quentes´. Já não se trata de uma historicidade `aberta´ ou `fechada´ na medida em que o mito é incomprensível sem o devir histórico:

 

Se pueden concebir mitos muy antiguos, pero no hay mitos eternos. Puesto que la historia humana es la que hace pasar lo real al estado del habla, sólo ella regula la vida y la muerte del lenguaje mítico. Lejana o no, la mitología sólo puede tener fundamento histórico, pues el mito es un habla elegida por la historia… (Id.Ibid.).

 

Mas, qual é a característica desta fala mítico-histórica? De acordo com Barthes, no próprio início do mito está a transformação da história em natureza (Barthes, 1980:223). Não obstante, esta espécie de naturalização não se realizaria por meio de uma “ocultação”, de uma verdade a ser desvelada: “El mito no oculta nada ni pregona nada: deforma; el mito no es ni una mentira ni una confesión: es una inflexión.”(Barthes, 1980: 222).

O mito, na leitura de Barthes, ultrapassa o que seriam “riscos” do acontecimento para o pensamento de Lévi-Strauss, através do duplo jogo de roubar e devolver:

 

Solamente la palabra que se restituye deja de ser la que se había hurtado: al restituirla, no se la ha colocado exactamente en su lugar. Esta pequeña ratería, este momento furtivo de un truco, constituye el aspecto transido de un mito. (Barthes, 1980:218).

 

 

Portanto, o fato de que o mito seja a fala “escolhida pela história” implica reelaborar o traçado de restos de acontecimentos o de discursos, restabelecendo-os de uma maneira original. Apoiando-se em “fragmentos”, a construção mítica é despolitizante e com ânsias  de eternidade:

 

El mito priva totalmente de historia al objeto del que habla. En él, la historia se evapora (…) desde siempre la España de la Guía Azul estaba hecha para el turista, desde siempre los `primitivos´ prepararon sus danzas para provocar un placer exótico(…) Nada es producido, nada es elegido: sólo tenemos que poseer esos objetos nuevos de los que han hecho desaparecer cualquier sucia huella de origen o elección. (Barthes, 1980:248).

 

 

Esta afirmação também é válida para o caso dos mitos que se desprendem dos textos usados na escola uruguaia e que atingiram seu desejo de “eternidade”, mesmo que “inventando” uma “novidade” como a nação.

Há, necessariamente, uma naturalização da nação neste complexo mítico de concatenar, inventar e reinventar acontecimentos. Há uma teleologia que faz com que a historicidade mítica da nação se mostre a partir da facticidade, estabelecendo que o que é, teve, fundamentalmente, que ser, por uma espécie de predestinação, todavia, demonstrada no destino histórico. A história se torna eternidade e o acontecimento passa por cima da contradição entre o ser e o deve ser.  Esta é a magia naturalizadora e tautológica da nação: demonstrar que sua história, enquanto nação, estava prefigurada e que teve que  acontecer de uma forma e não de outra.

 “Diferentes culturas, diferentes historicidades”, afirma Sahlins (1997a:12), sustentando a historicidade tanto nas supostas “sociedade frias” quanto nas “quentes”. As diferentes historicidades implicam um questionamento às concepções levistraussianas da classificação em  culturas “fora da história” e “dentro da história” (frias e quentes). Se consideramos, conjuntamente, o ponto de vista de Augé, qual seja, toda história é mítica (Augé, 1995:18), e o ponto de vista de Sahlins, onde ele argumenta que o acontecimento não é “em si”:

 

En primer lugar, insisto en que un acontecimiento no es simplemente  un suceso fenoménico, aun cuando como fenómeno tenga razones y fuerzas propias, aparte de cualquier esquema simbólico . Un acontecimiento llega a serlo al ser interpretado: sólo cuando se lo hace propio a través del esquema cultural adquiere una significación histórica. (Sahlins, 1997a:14)

 

é possivel sustentar-se a indagación da historicidade mítica da nação.                    

Quando fazemos referência a mitos e a representações, que na sua conjugação configuram mitos, e quando fazemos desta perspectiva a possibilidade de compreender os mitos que constroem a religião civil de uma nação, devemos insistir em que a naturalização mítica referida por Barthes integra a irrupção histórica (e portanto épica) que constitui a nação, acrescentada a um destino trans-histórico (embora verificado na história), entendida com destino incontornável. Daí o toque substancializador do mito que no olhar fundacional vai obliterando, criando e recriando acontecimentos, ao mesmo tempo que desenha os esquemas culturais, que nas palavras de Sahlins, dar-lhe-ão sua significação histórica (Sahlins, 1997a:14).

Os textos de leitura que abordaremos possuem esta característica: inventam o mito e representações e dão a “chave” para a sua leitura. São uma fala - em termos de Barthes- excessivamente justificada.  A “chave” não obstante, pode ter diferentes formas de apropriação que basicamente remetem à noção de práxis no mito, a qual seria: “ …una sociología situacional del significado (Sahlins, 1997a: 17).

Os mitos e representações e suas chaves de acesso “entram em jogo” na vida real - como Sahlins gosta de dizer - não porque os textos de leitura da escola carecem de “efeito realidade”, mas antes pelo contrário: porque permitem um consenso simbólico a partir do qual a dissensão simbólica se torna eventualmente possível.

Sem ignorar as relações entre mito e ideologia (Barthes, 1980:202)[4], nem deixar de estabelecer que a religião civil da nação possui um “grupo de especialistas” - o que estaria relacionado ao declínio do mito na medida em que já não seria “produto coletivo e coletivamente apropriado”, de acordo com Bourdieu (1998:12) - devemos insistir que a mito-práxis é possível não só em culturas “frias”, que na sua acomodação ao acontecimento se mostram em realidade “quentes”, mas também em “culturas quentes”, que baseiam sua mito-práxis na dimensão “fria” de conseguir, por meio dos mitos e das representações da religião civil, um consenso simbólico comum e, por sua vez, mostram-se “quentes” na medida em que sempre “…los significados son finalmente sometidos a riesgos subjetivos, en la medida que los individuos, al ser capacitados socialmente, dejan de ser los esclavos de sus conceptos y se convierten en amos.” (Sahlins, 1997a:11).

Desta forma, evitamos o risco de que “As belas mentiras”, estudadas por Chagas Deiró Nosella (1981)[5], sejam reiteradas sem mais por suas vítimas - as crianças da escola - nem tampouco desconhecemos que a mito-práxis - não de Estado, mas originada no Estado - configura um consenso simbólico que a partir da implantação do mencionado consenso (todo um exercício de violência simbólica) habilita as eventuais modalidades de reprodução, sendo  a dissensão  uma delas. Daí explica-se, por exemplo, a re-semantização de mitos na África pós-colonial bem estudada por Balandier (1967), ou a luta de classificações onde a luta de representações emblemáticas implicam ao mesmo tempo lutas pelos emblemas, re-significando-os. Assim, os conflitos que tem lugar no seio da nação, podem ser expostos através de exercícios mitopráticos nos quais, a modo de exemplo para o caso uruguaio, a representação emblemática de José Pedro Varela pode receber diferentes significações nos conflitos de Sindicatos de Ensino Médio e o Ministério da Educação, ou a remissão do tal emblema ao mito da nação igualitária, sofrendo diferentes leituras, em função justamente de um conjunto de práxis que remetem, porém, a um referente comum.

 

3.2 Os textos de leitura obrigatória

 

Como apontávamos na Introdução, nossa dissertação retoma a indagação do sistema da educação primária no Uruguai, não para dar conta dele em todas as suas possibilidades e conseqüências mas para estabelecer como colaborou no projeto de conformação da nação uruguaia (“Nação laica”) através da difusão e produção de mitos e representações, com claros “efeitos de realidade” (Bourdieu,1993,1998)[6].

Neste sentido, a mito-práxis possível torna-se um discurso performativo (Bourdieu, 1985), dador e produtor de identidade (trate-se de um grupo pequeno ou de uma nação):

 

El poder sobre el grupo que se trata de hacer existir en tanto que grupo es inseparablemente un poder de hacer el grupo imponiéndole principios de visión y división comunes, por tanto, una visión única de su identidad y una visión idéntica de su unidad. (Bourdieu, 1985:91).

 

Nesta visão única e idêntica - apesar da redundância - da construção da identidade que os textos escolares de leitura obrigatória colaboram performativamente para produzir (e que ao mesmo tempo refletem), temos tentado reconstruir o itinerário dos mesmos, através de um duplo jogo de nucleação mítica, que dá conta das inclusões e exclusões às quais eles remetem.

Assim, encontrar-se-ão dois capitulos seguidos (Capítulo 4 e 5), que fazem referência ao mito da igualdade no seu duplo atributo de inclusão e exclusão (digamos melhor, para este último caso, hierarquização), um terceiro (Capítulo 6) que nos fala da expulsão de Deus dos textos escolares, e o último (Capítulo 7), onde tentamos aprofundar os mitos e representações emblemáticas da religião civil uruguaia.

Não deixa de chamar a atenção que os estudos sobre os textos de leitura utilizados na escola pública sejam escassos em termos gerais e, particularmente ausentes, com as exceções a mencionar no parêntese temporal abordado. Exceto os trabalhos com certa especificidade (Bralich,1990; Resenite, 1987) e breves menções (Barrán,1990), são escassos os antecedentes que aprofundam o material específico dos textos de leitura obrigatória como clara evidência de um discurso performativo em torno à constituição  da nação. O único trabalho de certa profundidade - e que nos permite exonerar-nos deste item na nossa pesquisa - é aquele realizado por Silvia Rodríguez Villamil (1994) acerca da construção do gênero (embora só tome os textos de leitura escolares do Século XIX).

Evidentemente, a dispersão de fontes (disseminadas em diversas bibliotecas, embora fundamentalmente concentrados no Museu Pedagógico do Uruguai), seu estado de deterioração, colabora com as dificuldades das investigações. Porém, a paciência do investigador pode ultrapassar em boa medida  essas dificuldades.

Acreditamos que atua de forma muito mais potente a sacralização que até hoje em dia envolve a escola pública, Varela e demais mitos e representações emblemáticas da nação, de tal maneira que qualquer exercício de investigação - ao interpelar os “arbitrários culturais”[7] (justamente ao considerá-los como arbitrários) não deixa de problematizar à construção identitária, vista como natural através de sua substancialização[8]. Por conseguinte, um exercício de investigação que problematize a mencionada naturalização, possivelmente suscitará resistências de diversos tipos.

Quanto aos textos, selecionamos aqueles que eram de leitura obrigatória – justamente por seu caráter obrigatório - e por termos a certeza de todos terem sido aprovados pela “Dirección General de Instrucción Pública”[9], o que demonstra seu uso geral e obrigatório.

Por outra parte, os textos específicos realizado para disciplinas concretas (por exemplo, Geografia, História, Ciências Naturais, etc.), não foram de uso geral em todos os períodos escolares, e não aparecem com claridade as diversas aprovações por parte da “Dirección de Instrucción Pública”, deixando dúvidas acerca de sua validez como fonte.

O corpus de textos trabalhados, remete - como apontamos na Introdução - a uma vontade cronológica, sem esquecer por isso, os referentes que vai construindo.

Corresponde apontar as cinco séries de livros manuseados: a série Mándevil, a série Vásquez Acevedo, a série Emma Catalá de Princivalle, a série Figueira, e a mais recente, a série Abadie-Zarrilli.

Embora existindo superposições cronológicas, pode-se concluir que as mesmas tiveram o máximo auge nos seguintes períodos:

a) Mándevil - Textos de origem estrangeira, e utilizados até depois da reforma vareliana (1877), sendo progressivamente substituídos por textos de leitura produzidos no Uruguai.

b) Vásquez Acevedo: segundo Bralich (1990:13), a utilização dos textos de Vásquez Acevedo é aprovada pela “Circular de la Dirección de Instrucción Pública” a partir de 1892 (pelo menos aqueles que estavam editados). Porém, encontram-se primeiras edições (como o “Libro Primero de Lectura”) a partir de 1884, aprovadas pela “Dirección General de Instrucción Pública”. Também encontramos novas edições, aprovadas pelo “Consejo Nacional de Enseñanza Primaria” (antiga “Dirección General de Instrucción Pública), que foram utilizadas ao redor da década de ’30. (Por exemplo, o “Libro cuarto de lectura”, cuja primeira edição data de 1900 e a última de 1929).

c) Emma Catalá de Princivalle - Dos livros desta autora, encontramos edições até  em 1913. Não há edições posteriores.

d) Figueira - A primeira edição de um de seus textos (“¿Quieres leer? Libro primero de lectura y ortografía”) é de 1892, (nós utilizamos a quinta edição, de 1900). Suas várias edições posteriores superpõem-se à série Vásquez Aceveo, e particularmente à série Abadie Zarrilli.

e) A série Abadie- Zarrilli - Se bem que Bralich (1990) afirme que estes livros são usados em alguns casos até os nossos dias, só pudemos constatar edições até meados dos ’70. Os livros revisados, possuem títulos diferentes e variações de conteúdo dos aqui mencionados, ou trata-se de produções novas.

Os livros de leitura para as escolas públicas  escritos por Abadie Soriano e Humberto Zarrilli preponderantes nas décadas de ’20 e ’30 foram: o livro primeiro de leitura “Alegría” (primeira edição realizada pelo Consejo Nacional de Enseñanza Primaria y Normal em 1927); o livro segundo de leitura “Tierra Nuestra” (editada como obra premiada pelo mencionado Conselho e editada em 1931); e o terceiro livro de leitura “Uruguay” (1932). Da série trabalhada, temos encontrado várias reedições  dos anos ’40 aos ’50.

À exceção de Mándevil, estas séries tem se superposto em seu uso, sendo todas aprovadas pelos órgãos principais da escola primária (e conseqüentemente, passíveis de serem utilizadas).

Há, no entanto, alguns declínios e mudanças em seu uso.

A partir do aparecimento da série Abadie-Zarrilli (1927), começam a rarear (Bralich, 1996)) as séries de Vázquez Acevedo, Emma Catlá de Princivalle e Figueiras. Este declínio, porém, não implica  uma desaparição em termos absolutos, senão uma maior utilização dos textos de Abadie-Zarrilli, e uma progressiva substituição das séries anteriores (Bralich, 1996). Também parte desta série é editada e difundida pelo “Consejo Nacional de Educación Primária y Normal”.

O resto do corpus textual utilizado corresponde também a leituras selecionadas, escolhidas e suplementarias que, apesar de todos os adjetivos, não perdem a qualidade de obrigatórias (também aprovadas pelos órgãos competentes do Primário). 


 



     [1] "Producto del impulso dado por la Reforma Escolar en las últimas décadas del siglo anterior, la matrícula de las escuelas públicas tuvo un incremento constante en toda la primera mitad de este siglo. En 1897 había 45.600 alumnos en 535 escuelas y en 1907, 60.800 alumnos en 671 escuelas, estas cifras representan un aumento del 33% y del 25% respectivamente, en solo diez años, en tanto la población del país aumentaba menos de un 20%, el crecimiento fue mucho más notable en los años siguientes, ya que en 1927 la matrícula ecolar pública llegaba a 140.000 alumnos, lo que representaba un 130% de aumento en apenas 20 años (6,5% anual, no acumulable), frente a un 54% de crecimiento en la población.

En las décadas siguientes la curva de crecimiento comenzó a declinar levemente, llegando a 245.100 escolares en 1943 (4,6% anual, no acumulable). Esta disminución del ritmo respondía, seguramente, a que la matrícula escolar ya satisfacía las demandas de gran parte de la población: en 1907 había un escolar por cada 17 habitantes, en 1927 le relación era de 1 a 11, y en 1943 la proporción bajaba a un alumno cada 8 habitantes. Debemos considerar - sin embargo- el paulatino envejecimiento de la población uruguaya y la concomitante disminución de la población infantil; esto determinaba que por sobre el aumento en cifras absolutas de la matrícula, la cobertura escolar fuera aún mayor: a mitad del siglo, más del 80 % de los niños en edad escolar concurrían a la escuela "(Bralich, 1996: 125).

 

 

    [2] O pedagogo e pensador José Pedro Varela (1845-1879) quem, na opinião de Caetano e Rilla fora elevado a mito nacional pelas futuras gerações compartilha, junto com  mais um escasso número de  heróis, uma admiração “…aburrida y ritualista –casi- por unanimidad entre historiadores, profesores, maestros y alumnos.”(Caetano e Rilla, 1994: 82). Menos crítico ( e de não parar de fazer referência a Varela como um apóstolo da educação), Ardao identifica três etapas na vida de Varela: uma de formação, onde se dedica ao jornalismo, faz amizade com Sarmiento durante uma viagem aos Estados Unidos; a segunda, a do “apostolado” pela educação comum (e pública), que começa com a fundação da SAEP (Sociedade de Amigos da Educação Popular) em 1868, a publicação entre outros escritos de duas obras fundamentais: “La educación del pueblo” ( (1874) e “La legislación escolar” e um terceiro “…desde que asume la dirección de la instrucción pública en marzo de 1876, bajo el flamentate gobierno de Latorre, hasta que acontece su muerte en plena tarea reformista.”(Ardao, 1971:116). 

 

 

    [3] Lévi-Strauss também avisa sobre a distância temporal enquanto dimensão que possibilita ver a história como mito: “Basta , pues, con que la historia se aleje de nosotros en la duración, o que nosotros nos alejemos de ella por el pensamiento, para que deje de ser interiorizable y pierda su inteligibilidad, ilusión que se vincula a una interioridad provisional. Pero que no se nos haga decir que el hombre puede o debe desprenderse de esta interioridad. No está en su poder hacerlo, y la sabiduría consiste, para él, en contemplarse viviéndola, sabiendo (pero en otro registro) que lo que él vive tan completamente es un mito, que se les manifestará como tal a los hombres de un siglo próximo, que le parecerá eso a él mismo, quizá, de aquí a algunos años, y que,  a los hombres de un próximo milenio, no les parecerá de ninguna manera.”(Lévi-Strauss, 1990a:370).

 

 

 

    [4] Quanto à relação entre ideologia e mitos, Lévi-Strauss dirá: “...nada se parece más- desde un punto de vista formal - a los mitos de las sociedades que llamamos exóticas o sin escritura, que la ideología política de nuestra sociedad. Si se ensayara aplicar el método, no sería sin duda a las tradiciones religiosas que tendría que aplicarse primeramente, sino mucho mejor al pensamiento político.” (Lévi-Strauss, 1967:173). Seguindo esta modalidade estruturalista de pensamento, não é de se estanhar que Althusser (1970) coloque que a ideologia não tem história, sendo tão eterna quanto o próprio inconsciente (no sentido trans-histórico), marcando assim que a imutabilidade da ideologia é a mesma do inconsciente.

Por seu lado, Barthes, de quem nos sentimos mais próximos neste aspecto, não reduz o mito a mera ideologia, senão que a coloca a mitologia como “…parte de la semiología como ciencia formal y de la ideología como ciencia histórica; estudia las ideas como forma (Barthes, 1980:203).

A dicotomia de “ideologias” para as culturas complexas e “mitos” para as culturas denominadas “simples”, parece apresentar dificuldades. Para Bourdieu, a diferença entre mito e ideologia residiria em que o primeiro é produzido coletivamente e coletivamente apropriado, enquanto que as ideologias seriam produzidas por um conjunto de “especialistas da produção simbólica (productores a tempo inteiro).” (Boudieu, 1998:12)

Esta hipótese, sem dúvida interessante, não considera as diversas possibilidades de mito-práxis a partir, no entanto, de um universo mítico comum. Neste sentido, a posição de Sahlins (1997a), parece-nos mais adequada na medida em que avalia o conjunto de equívocos, maneiras de reproduzir diferenciais, continuidades e cortes. Existem sempre possibilidades diferentes de apropriar-se dos símbolos, o que habilita diversas interpretações, sem por isso, erodir sua capacidade de referente. “Mi argumento es que a nivel del significado existe siempre una reversibilidad potencial entre clases de acción y categorías de relación” (Sahlins, 1997a:43).

 

 

    [5] - O título completo da obra de Chagas Deiró Nosella (1981) é:  As belas mentiras. Ideologia subjacente aos textos didáticos.

 

 

    [6] Através da inclusão dos denominados “efeitos de realidade”, Bourdieu ilustra o poder simbólico ínsito ao fato de denominar e classificar a realidade. Ultrapassando a dicotomia entre realidade e representação Bourdieu propõe “...romper com as pré-noções da sociologia espontânea,entre a realidade, e com a condição de se incluir no real a representação...” (Bourdieu, 1998:113).

“No he dejado de recordar, refiriéndome al título célebre de Schopenhauer, que el mundo social es también “representación y voluntad.” (...) Lo que consideramos como la realidad social es en gran parte representación o producto de la representación, en todos los sentidos del término.” (Bourdieu,1993:61).

 

 

    [7] O conceito de “arbitrário cultural”, assume no pensamento de Bourdieu duas heranças: por uma parte, a noção saussureana de arbitrariedade do signo (a relação entre significante e significado é arbitrária e carece de vínculo natural). Por outro, o aporte durkheimniano (Durkheim, 1989), que concordando com Bourdieu é de particular importância (apesar das críticas) na medida em que “Com Durkheim, as formas de classificação deixam de ser formas universais (transcendentais) para se tornarem (...) em formas sócias, quer dizer, arbitrárias (relativas a um grupo particular) e socialmente determinadas.” (Bourdieu, 1998:8). Os arbitrários culturais tentam estabelecer, por uma parte, a contingência de toda produção simbólica de uma cultura (não há então, uma relação “natural” entre determinada produção simbólica e x matriz cultural). Por outra parte, o fato de conceber a produção simbólica como arbitrária, leva a um exercício de desnaturalização, enquanto que categorias e representações não surgem “de fato”, nem da “natureza das coisas”, senão de lutas simbólicas concretas. Este seria o começo de uma antropologia crítica. Ver sobre este último ponto: Bourdieu e Wacquant (1995).

 

 

    [8] Assim, durante nossa pesquisa que incluiu uma larga permanência no Museu Pedagógico do Uruguai, tivemos que vencer todas as dificuldades que nos foram impostas para aceder aos textos de leitura em questão. É possível que o mencionado Museu não esteja ordenado em função dos apetites e interesses dos pesquisadores. Porém, não temos deixado de perceber certa resistência de mostrar os textos de antanho usados na escola pública (salvo aqueles tangentes ao “orgulho uruguaio”). Cabe destacar, que as autoridades do mencionado Museu, não podem emitir qualquer declaração pública sobre tema nenhum, sem antes passar pelas hierarquias responsáveis do mesmo.

 

 

    [9] “El 26 de julio de 1918 se aprueba la Ley que crea el Consejo Nacional de Enseñanza Primaria y Normal en sustitución de la Dirección General de Instrucción Pública, organismo que había regido la escuela pública desde la Ley de 1877 (con algunas modificaciones en 1885). La anterior Dirección estaba constituída por siete miembros: el Ministro de Instrucción Pública, el Inspector Nacional, el Director de la Escuela Normal y cuatro vocales; el nuevo Consejo estaría integrado también por siete miembros: el Director de Enseñanza Primaria y Normal y seis vocales designados todos por el Poder Ejecutivo por un lapso de 3 años -renovable- y debiendo, uno de los vocales, haber actuado como maestro durante un lapso de 10 años como mínimo. Esta última condición -aunque mínima- parecía responder a un mayor peso de la condición profesional de los maestros. Hasta ese momento solía ocurrir que integrasen el órgano rector de la escuela pública, personalidades - a veces muy destacadas - que no habían tenido experiencia (…)

El número de miembros de este Consejo fue reducido a tres por decreto del Poder ejecutivo de 4 de abril de 1933 y ampliado a cinco miembros por otro decreto de 8 de enero de 1943, integración que se mantuvo hasta la Ley de Educación de 1973." (Bralich, 1996:127).